A linguagem que pesa no número dos atropelamentos
A forma como as coisas se dizem, com certeza com a melhor das intenções, importa. E muito. Porque é também por aí que se dá início à mudança do paradigma.
De que falamos? Da prevenção de atropelamentos.
Em vez de (só) se alertar o peão para o comportamento do automobilista ou motociclista, a APSI gostava que se começasse a fazer o inverso: chamar a atenção para as circunstâncias em que o condutor mais facilmente pode causar um atropelamento.
Em vez de:
“Evitar atravessar pela frente de um autocarro que se encontra na paragem”, recomendação muito válida, dizer: “Reduzir a velocidade perto de paragens de autocarro e parar caso este esteja a deixar pessoas, tendo em conta a probabilidade de surgir um peão a atravessar à frente daquele”.
Em vez de:
“O peão deve caminhar no passeio” — partindo do princípio que este existe, se não terá de ser pelas bermas da estrada — dizer: “Não estacionar em cima do passeio, obrigando o peão a circular na estrada”.
Em vez de:
“O peão deve atravessar a rua, nas passadeiras, após verificar que não vêm carros”, dizer: “Não estacionar em cima de passadeiras. Reduzir a velocidade na aproximação às mesmas e parar quando há peões junto das (como o próprio nome indica), passagens para peões”.
Em vez de:
“Não atravessar entre carros estacionados”, dizer: “Não estacionar em segunda fila. Pode surgir um peão entre carros estacionados, nomeadamente crianças, por norma, mais baixas e com o campo de visão mais limitado.”.
Em vez de:
“Ao atravessar em cruzamentos dar especial atenção aos veículos que vão mudar de direção”, dizer: “Fazer pisca sempre que muda de direção ou faixa e caso existam peões parar e dar-lhes a passagem”.
Em vez de:
“Mesmo junto à escola ou à porta de casa, não atravessar sem estabelecer contacto visual com o condutor e ter a certeza de que este o viu e vai parar”, dizer: “Reduza a velocidade junto de escolas e zonas residenciais para, no máximo, 30 km/h”.
Estes são alguns exemplos de formas de dizer (quase) a mesma coisa sem se continuar a colocar, quase de forma exclusiva, a responsabilidade no peão, sobretudo quando nos referirmos a crianças — um dos grupos de utilizadores, de pleno direito, mais vulnerável, das nossas ruas.
A APSI defende que importa acabar com a dualidade de comportamentos quando passamos de peões — qualquer um de nós — a condutores.
Conseguido esse feito, não temos dúvidas que conseguiremos atacar o problema de forma proativa e bastante mais eficaz.
©APSI2024